Após a divulgação da pandemia por Covid-19, circulou nas mídias sociais uma imagem onde uma pessoa em situação de rua pergunta a alguém que lhe oferece uma refeição: “Você sabe por quê estão todos com máscara?”. A imagem rodou o país e sensibilizou muitas pessoas, pois enquanto muitos estão em isolamento social e conseguem manter hábitos mínimos de higiene necessários para prevenir a infecção, pessoas em situação de rua sequer estão informadas sobre o que ocorre no mundo.

  Nesse contexto, a solidariedade é mais que uma ação de quem é solidário, trata-se de uma questão de humanidade. Com este sentimento e a compreensão de que enfrentar uma pandemia na ausência de direitos básicos como moradia, alimentação, saúde e acesso à informação, é um desafio ainda maior, Kleidson Beserra passou o último mês levando informação, alimentos e cuidados às pessoas. Viu falta, mas também excesso de humanidade em diversas situações e conseguiu abrigar e alimentar mais de 300 pessoas em situação de rua durante o período de distanciamento social.

   A ação é uma iniciativa do Instituto Ipês, no qual Kleidson é voluntário. De acordo com ele, cerca de 500 pessoas estão atuando no acolhimento e cuidado de pessoas em situação de rua frente ao Covid-19. Eles orientam sobre os riscos do Covid-19 e a importância do uso de luvas, álcool em gel e máscaras, além de distribuir estes itens. Kleidson conta que até agora nenhum caso foi confirmado entre as pessoas em situação de rua ou na equipe de voluntários, mas foram encontrados casos de tuberculose e pneumonia.

   O voluntário destaca as dificuldades de levar o cuidado a essa população e confirma o preconceito por parte dos profissionais e serviços de saúde e até mesmo resistência por parte das pessoas a serem cuidadas. Além disso, a atuação de atores religiosos com pretensões políticas também acaba atrapalhando algumas ações de solidariedade.

   Aos 42 anos de idade, Kleidson trabalha no Serviço Especializado em Abordagem Social (Seas), está casado há oito anos, é conselheiro de saúde em Sobradinho e vive em uma ocupação. Após participar de uma capacitação para pessoas com problemas de uso abusivo de álcool e outras drogas oferecida pelo Observatório de Saúde Mental (Obsam/ Nesp) em 2017, ele tornou-se facilitador de rodas de conversa de apoio à saúde mental conhecidas como “Grupo de Apoio Mútuo”. “Conto da minha vivência, compartilho experiência e de certa forma, tento ajudar as pessoas a enfrentarem situações que já consegui superar. O Grupo ocorre de 15 em 15 dias nos acampamentos do MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra] e nas comunidades e só parou mesmo por causa do Covid-19”, explica.

   Mesmo de forma independente, sem de recursos ou apoio, Kleidson decidiu realizar as rodas de conversa e estas acabaram se espalhando e ocorrendo em várias regiões do Distrito Federal. “Isso me ajudou muito como sujeito, mais ainda no meu empoderamento, no meu protagonismo para ter uma visão diferente das coisas. Hoje sei que por trás do uso abusivo de álcool e outras drogas, há transtornos que… é questão de tempo. Não é remédio, não é exclusão social”.

   Para chegar na situação em que se encontra, Kleidson precisou encontrar um tratamento adequado e afirma que só o descobriu no Centro de Apoio Psicossocial (CAPs). “Nos outros lugares eu era excluído da sociedade, tinha todos os meus direitos negados e sem ressocialização. O CAPs não tira nossa liberdade, mantém a gente em sociedade, vinculado à família e a gente ainda pode trabalhar e fazer as coisas que sempre fizemos”. Ele ressalta a importância do cuidado e da capacitação que recebeu para as ações que realiza hoje. “Conheci as professoras Gussi e Glória, fortalecemos nosso vínculo e comecei a praticar a ajuda mútua. Consegui baixar índices na minha comunidade, tem muito diálogo lá e tem dado certo, muitas pessoas têm mudado seu jeito de pensar”.


Texto: Ádria Albarado

Colaboração: Kleidson Beserra

Atualização: Carolina Magalhães

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